Em 2008 cursando a disciplina de Filosofia do Direito, orientados pela profª drª Priscila Ferreira, a turma do primeiro período de direito do Pitágoras elaborou inspirada no livro "Que não me desminta o Faraó" de Pedro Sérgio dos Santos, um júri simulado a respeito do julgamento de uma Pastor protestante acusado pelo Ministério Público por assassinato. No caso a vítima em questão era uma Pai de Santo a quem o Pastor matara num momento de "violenta emoção" por culpá-lo por sucessivas desgraças que sucederam em sua vida coicidentemente ou não a partir do momento em que o Pai de Santo mudou-se para sua cidade, Forquilha da Serra, no Recife. Estes são alguns dos argumentos apresentados pela defesa. Nada foi alterado, por isso a dispersão. Eu não devia lhes dizer, queridos observadores, todavia esses pobres raciocínios foram compostos de um golpe numa fase muito difícil de minha vida e sem nenhuma inspiração. Vocês poderão observar que há muita imaginação e pouca argumentação técnico-jurídica, sem recorrer a base legal, doutrina ou jurisprudência. E mesmo assim a profª escreveu "Excelente" no trabalho apresentado de forma escrita. Talvez levando em consideração o fato de ser um trabalho apresentado na génese da faculdade forense. Gentil Priscila. Obrigado.
Exposição dos argumentos de acusação. (...)
Exposição dos argumentos de defesa:
Excelência, senhores membros do Júri, a responsabilidade que recaí sobre os senhores essa noite é muito grande. Os senhores hoje decidirão o destino de um homem, o destino de um semelhante, mortal como os senhores, sujeito a mesma precária condição humana e portador dos mesmos caros valores que os senhores preservam e apreciam. Por isso imaginem-se só por um momento que os senhores chama-se Pastor Tavinho...
A decisão de alvejar o Pai de Santo nas circunstancias especiais em que se encontrava meu cliente não pode ser considerada por ninguém em hipótese alguma uma decisão imotivada. Se analisarmos a carga emocional que o espoliava no momento da ação, veremos com justiça que ele não podia ser responsável pelos seus atos devido ao estado psicológico patológico crescente no qual se encontrava em condição de vítima. Estado este que eclodiu quando teve sua propriedade arrematada pelo banco.
Violenta emoção. O réu durante o momento da ação estava profundamente abalado psicologicamente devido aos incontáveis acontecimentos funestos que incidiram sobre sua vida pessoal a tal ponto que o levaram ao extremo de para se livrar da pesada coação psíquica que padecia, eliminar o objeto que ele suponha ser o autor de tais infortúnios. Para meu cliente naquelas circunstâncias especiais eliminar o objeto de seus sofrimentos intoleráveis era uma questão de sobrevivência tanto sua quanto de sua família que igualmente passava por aquelas aflições.
É preciso sermos dotados de uma visão empática se pretendermos de fato entender a natureza do ato que levou a óbito o Pai de Santo. Por que este fato aconteceu? Será mesmo que um homem com a reputação ilibada como a do Pastor Tavinho, um pai de família, sacerdote de uma entidade religiosa e sem nenhum histórico de violência em sua vida iria do nada, sem motivos poderosos assassinar uma pessoa? Não e nunca. Foi por muita dor e desespero que ele se viu precipitar por esse abismo. Abismo ao qual só aprofundaremos condenando este homem que precisa de ajuda e não de punição.
E a família do réu? Como eles ficarão se meu cliente for condenado? Quem irá alimentá-los e protegê-los? O Estado? Os senhores membros do júri? o Senhor, Meritíssimo? Não, senhores, eles serão, como se diz, abandonados a própria sorte e padeceram. É claro que o promotor dirá aos senhores, “e quem cuidará da família do Pai de Santo? Quem os alimentará e protegerá?” Então, senhores eu vos digo, um erro não justifica o outro, se meu cliente errou os senhores não são obrigados a ir pelo mesmo caminho, principalmente porque meu cliente agiu com a emoção, não era detentor no momento da ação da plena posse de suas faculdades mentais. Mas os senhores estão em plena posse de suas faculdades mentais e uma família desamparada já basta. Que não tenhamos ao final dessa audiência duas famílias destroçadas pela irracionalidade humana.
Shakespeare disse “Entre o céu e a terra há mais coisas do que sugere nossa vã filosofia” Todos nós sabemos que o Pai de Santo tinha um terreiro de macumba na cidade. E lá fazia seus trabalhos. Ele acreditava neles, a tal ponto de persuadir outras pessoas a fazer o mesmo: crer em seus poderes supostamente sobrenaturais. Ora, nos sabemos que a casa oficial de Deus é a igreja. Então se verdadeiramente pretendemos procurá-lo, nós o encontraremos lá, numa igreja, seja ela católica ou protestante e não num terreiro de macumba, pois é sabido de toda gente que em lugares dessa procedência paga-se para lançar supostos feitiços destrutivos na vida de outrem, ou seja, fazer o mal e não o bem. O mal, meus amigos, o mal, que é o elemento antagónico a Deus. A vítima em questão era um agente do mal que praticava obscuros rituais espirituais e se dizia detentor de poderes supra-humanos. Ora, nos sabemos que nem mesmo Deus tem sua existência comprovada cientificamente e, no entanto, nos cremos nele, cremos que ELE existe invisível e ubíquo como o ar que respiramos. Nós cremos nele com todo nosso coração e toda nossa fé, nós o amamos e encontramos conforto em seus ensinamentos. Então se admitimos que algo além da comprovação científica possa existir e ter tamanha influencia em nossas vidas, como podemos condenar Pastor Tavinho que acreditava piamente que o Pai de Santo era o responsável, através de maldições, por todas as desgraças que aconteciam em sua vida? E mais quem garante aos senhores que de fato ele não o era? Ora, se não podemos provar que algo exista e não podemos também provar que não exista, então isto pode com efeito existir ou não. Mas não lhes parece de uma coincidência extrema que todos os infortúnios ocorridos na vida do pastor tenham sido deflagrados com a chegada do pai de santo na cidade? Pensem nisso, meus amigos, na possibilidade metafísica de meu cliente está certo quanto a suas desconfianças em relação ao responsável por suas misérias. Ou os senhores duvidam que um homem que ganha a vida fazendo feitiços, não teria intenção de lançá-los em um seu inimigo declarado como era o pastor, pois este acreditava que estava combatendo o mal e deu inclusive inicio a uma campanha contra o pai de Santo.
Homicídio privilegiado. Depois que meu cliente viu sua vida ser paulitanamente devastada, de ter perdido seus fiéis, sua reputação, suas propriedades, seu trabalho, o filho adoecer, a filha engravidar, e ele não ter mais onde morar com sua família nem como sustentá-la mais, o que mais poderia lhe acontecer? A morte. Meu cliente pensou que a próxima praga que o Pai de Santo lhe despacharia seria a sua própria morte ou o que lhe seria pior o extermínio de um de seus entes amados, então para se despojar da ameaça iminente de destruição e para se preservar e preservar a sua família ele matou o Pai de Santo num ato de legítima defesa preventiva porque pensou que este o mataria mais cedo ou mais tarde.
Nesse momento a acusação retorna para fazer suas considerações finais, uma espécie de resumo de todos os argumentos apresentados de forma categórica. (...)
Considerações finais da defesa:
Senhores, membros do Júri, a responsabilidade que recaí sobre os senhores essa noite é muito grande. Os senhores hoje decidirão o destino de um homem, o destino de um semelhante, mortal como os senhores, sujeito a mesma precária condição humana e portador dos mesmos caros valores que os senhores preservam e apreciam. Por isso imaginem-se só por um momento que os senhores chama-se Pastor Tavinho, os senhores moram numa cidade do interior brasileiro com sua família, são um indivíduo respeitado, pacífico e feliz, trabalham como pastor de um igreja protestante e tem um ótimo relacionamento com todos os membros da sociedade em que vive. Um dia muda-se para sua cidade um homem misterioso, um Pai de Santo, portanto um oposto dos senhores, um homem que se diz detentor de poderes vindo não se sabe de onde, do inferno talvez, talvez do próprio diabo. Como saber? Desde o início há entre os senhores, o senhor pastor e o Pai de Santo uma antipatia mútua, ostensiva nos senhores e dissimulada no Pai de Santo. A parti de então sua vida tranquila e bem sucedida transforma-se num encadeamento de reveses, e após sofrer com o barulho infernal do batuque dos tambores e o cheiro de incenso vindos do terreiro do Pai Miguel sua casa é destruída pela chuva, sua esposa sofre um acidente na porta de casa e fratura o fémur, sua filha solteira engravida do Arnaldão do Bode, seu filho adoece e após ter alta do hospital não mais anda nem fala nem tem controle dos sentidos, e os médicos afirmam que poderá levar anos até que se restabeleça, se conseguir restabelecer. Imaginem os senhores que seus amigos o alertem “cuidado com esse Pai de Santo, dizem que possuí poderes malignos, não é bom mexer com o homem”, mas o senhor é um Pastor e deseja levar a palavra de Deus aos homens e combater o mal, custe o que custar. Então os senhores entram numa campanha moralista contra esse represente da magia negra e ao mesmo tempo fatos sinistros ocorrem em suas vidas como os já citados anteriormente e mais, calam a sua voz tirando-lhe o instrumento que propagará a palavra de Deus, a câmara de deputados cassa o seu direito de falar ao alto-falante a quem quiser-lhe ouvir, então os fiéis de sua igreja o abandonam e passam a frequentar esse terreiro de candomblé, e os senhores num gesto de desespero pela fé descem a um prostíbulo para tentar catequizar as infelizes prostitutas e são mal falado pelo povo por esse gesto nobre de tentativa de socorro, perdem sua reputação por tentar salvar almas perdidas em nome de Deus. Depois disso tudo os senhores ainda perdem sua casa e sua igreja arrematadas pelo banco para pagar dívidas de juros exorbitantes a um gerente corrupto, em seguida, para esse mesmo banco, por não conseguir quitar a divida da hipoteca de sua fazenda os senhores a perdem e com ela a razão. Então antes disso ao chegar ao banco para tentar negociar mais uma vez sua dívida, antes de entrar os senhores encontram Pai Miguel sentado na calçada, mordendo um pedaço de melancia na banca do Antonio Piauí, e como era de seu feitio ele os cumprimenta com um sorriso e um aceno de cabeça, como se estivesse ali para presenciar a consumação da derrota dos senhores. Após entrar no banco e ver que perderam tudo que havia conseguido durante anos em Forquilha da Serra, vendo como tanta desgraça moral e material havia caído sobre suas vidas e tomados de cólera e cegos da razão, os senhores saem do banco suando frio e se dirigem à banca de melancias, quando avistam Pai Miguel, passam a mão da partideira de melancia e abatem aquele que seria a causa de todo o mal que haviam recaído sobre os senhores. Os senhores mataram-no? Sim. Os senhores quiseram fazer isso? Não. Insisto nesse ponto, o meu cliente não pode ser considerado mentalmente responsável pelos seus atos naquela hora fatídica.
A vida do Pastor Tavinho chegou a um ponto em que ele não se alimentava mais, não dormia, não trabalhava. Destarte, meu cliente, perdeu toda a sua alegria de viver, tornou-se deprimido devido a enxurrada de dissabores violentos que concorriam em sua vida. Antes o pastor era um homem proativo e tinha objetivos em mente, mas perdeu tudo, sua igreja, seus fiéis, sua fazenda na qual labutava de sol a sol em sua lavoura para suster sua família, sua reputação, sua paz de espírito, suas perspectivas e sua razão. E em todos os momentos que algo dessa natureza tenebrosa e deletéria acontecia, lá estava o Pai de Santo com um sorriso sardônico a anteceder uma fatalidade na vida de meu cliente. Lá estava ele cada dia mais arrecadando ovelhas inocentes para seus propósitos sombrios. Não é enlouquecedor? Por isso repito, este homem que aqui está e cuja o futuro os senhores decidirão precisa mais do que ninguém da nossa compreensão, do nosso apoio espiritual, material e psicológico e principalmente do ensinamento que norteia toda a religião cristã e foi amplamente pregado por Jesus Cristo nosso senhor, ele precisa do nosso amor, porque somente amando ele como as nos próprios poderemos perdoá-lo e admitir que se estivéssemos em seu lugar não teríamos outro comportamento por mais infeliz que este tenha sido senão o que ele teve e já é conhecido de todos. Redenção, meus amigos, redenção e uma segunda chance para que ele recomece sua existência ao lado de sua família, com a indulgência da sociedade e a bênção de Deus.
P.S.: O veredicto foi favorável a defesa. Vitória!!!
os comentarios foi o maximo
ResponderExcluirEstou fazendo um trabalho sobre este assunto, tambem da professora Drª Priscila, a mesma, pela qual voce desenvolveu este seu trabalho.
ResponderExcluirNa busca por comentarios relacionado o livro, o seu, foi o primeiro link da pesquisa, e coincidentemente, é um trabalho que exatamente procurava, nao para plagio, mas, para esclarecer meus pensamentos, e deixar mais claro minha opniao de acordo com o desenvolvimento que usarei para finalizar meu trabalho. Parabens, e obrigada!
Obrigado vc, Mah pelo gentil comentário. Nenhum outro prof me fez estudar com tanta seriedade e prazer quanto a prof. Drº Priscila. Inolvidável. Boa sorte no seu trabalho. Lembre-se o juri é seduzível pela argumentação e pelo teatro. E não se esqueça de ler este post http://esconderijo-do-observador.blogspot.com.br/2012/08/juri-simulado_16.html Pode ajudar na composição da estrutura de sua tese. Um beijo do observador.
ResponderExcluirThiago muito obrigada pelo post. Ajudou bastante. Sou estudante de enfermagem e nesse semestre tenho um trabalho em forma de júri simulado. A linguagem usual dessas duas profissões são completamente diferentes. Não tinha ideia das palavras e estruturação dos argumentos para uma defesa de caso. Seu texto clareou minha vida. Obrigada mesmo. Parabéns.
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