A DESPEDIDA QUE NÃO HOUVE
Essa
semana, mais precisamente na terça-feira à noite, ouvi um trecho de uma crônica
antiga de Rubem Braga que eu li quando era adolescente e estudava no Colégio
Giovanini. A crônica chama-se “Despedida” e era, acredito eu, sobre um casal
que se amava, mas se perdeu. O trecho que eu ouvi até hoje sangra no coração dos
sem sorte: “Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não
pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que
explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo
menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena
palavra: adeus.” A-d-e-u-s. Adeus?
Aquela
“Despedida” era sobre alguém que perdeu a esperança no amor. Não é o meu caso,
é claro. Todavia o trecho anterior ao supracitado dessa crônica é ainda mais
triste: “Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles
vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com
flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não
havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de
um titeriteiro inábil.”
Se
eu tivesse imaginação para interpretar o sensível cronista diria que o inverno
é sobre os danos que a solidão pode causar, que é uma imagem desesperada da
falta de amor. O que seria o titeriteiro inábil? O destino, talvez? O verão com
certeza é o amor. Solar.
Então,
naquele tempo eu amava a biblioteca do Colégio Giovanini. Foi lá que conheci Dostoiévski
e me perdi. Pensei que ficaria perdido para sempre, mas o Direito me salvou de
mim mesmo. E eu agradeço. Do nada me lembrei de outra crônica do brilhante
Braga que li na mesma época e que não sei por que sempre me lança a uma noite fantasmagoricamente
febril e melancólica que nunca acabou na minha alma. Essa crônica era sobre um
nadador que morreu afogado e a namorada dele ficou triste, mas logo arrumou
outro. É a vida. No final o escritor dizia “Estou cansado, complemente cansado,
meu amor...” Também eu estou cansado da violação dos direitos humanos.
Não
posso ler Rubem Braga agora que me tornei um advogado ou estou me tornando um
advogado criminalista porque ser é se tornar também e há pessoas que levam
muitos anos para se tornarem o que são ou para voltarem a ser o que eram antes
de algum golpe sujo desfigurar sua identidade e essência. Não posso ler Rubem
Braga porque fico sentimental e você sabe, as pessoas sentimentais são
vulneráveis e ninguém contrata um advogado vulnerável. Afinal... Espera-se que
um advogado seja um cão de guerra elegante, disposto a matar e morrer pelo seu cliente
com “sangue nos olhos”. Sejamos.
Hoje
sou um advogado. No futuro talvez um juiz. Outrora fui um poeta quando eu era
adolescente, estudava no Colégio Giovanini e amava uma menina linda que namorava
um cara chamado “Feim”. Foi a primeira mulher que eu amei. Como dizia Raul
“Ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez.” A culpa não foi minha. Era impossível
não amá-la. Eu era um poeta e ela era uma musa meiga de Nabokov. O que será que
aconteceu com ela, Jesus? Será que virou atriz da Globo? Será que está presa numa
ilha? O Natal está chegando. Peça coragem ao bom velhinho e despeça-se da dor.
“Tudo que nos separava
subitamente falhou.” Rubem Braga
Por: Thiago Castilho
Por: Thiago Castilho
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