Dura Lex Sed Latex
Congresso Nacional do Brasil à noite.
18 de março, sagrada Quinta. Este dia é o dia. Penetro na Fortaleza do Saber as 17h00min. Paz nos corredores alvos. Silencio no banheiro masculino. Luz crepuscular irradiando no vidro do laboratório de informática. Ameaça de chuva. 17h25min. Marcho para sala 201 no segundo andar, onde a guerra santa, o que estou dizendo? Onde o debate jurídico do Grupo de Estudo de Cultura Constitucional do Curso de Direito da Faculdade Pitágoras acontece. No meio do caminho encontro uma ex-colega de classe de corpo calipígio e olhos soberbos que me cumprimenta com um sorriso de gueixa e entra na biblioteca. 17h30min. Esta hora é a hora. Tema da semana: Constitucionalismo e Leis Simbólicas. O assunto é profundamente complexo e altamente interessante, pois envolve a envergadura normativa da Constituição, o uso soez do discurso de proteção dos direitos humanos em defesa de interesses imperialistas e a máquina de fabricar leis simbólicas dos políticos, desconectadas da realidade do povo, resultado da imperfeição de nascença de nossa sétima Constituição Cidadã?
Um dos professores provocou após terminar sua análise “Inclusive eu gostaria que alguém tivesse uma idéia diferente da nossa para desenvolvermos melhor o debate...” Antes de concluir seu desafio outro professor emendou “Já encontrou” e um terceiro disse “Dois”. Atentou-se para o fato de que apesar de sermos um país periférico, recém saído dum agudo coma político-social e econômico-cultural da ditadura militar, em 1992 “Conseguimos depor um presidente sem armas.” No auge da discussão um professor chegou a insinuar que “nossa Constituição é programática.” Contudo a idéia mais genuína na opinião desse pobre acadêmico foi a de uma aluna que disparou categoricamente que o neoconstitucionalismo ainda não chegou a todo Brasil “Ele chegou
Drummond tinha razão, como sempre, ao escrever num poema intitulado Hino Nacional: “Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?” Espero que um dia possamos responder sim a este questionamento existencialista. Para isso temos muito trabalho a fazer. Eis o conteúdo simbólico da reunião, deleitem-se, amigos do direito:
CONSTITUCIONALISMO E LEIS SIMBÓLICAS
Promulgação-Constituição-1988
O CONTEÚDO DA LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA
1. Segundo Kindermann, jurista alemão, a legislação simbólica pode apresentar três objetos:
a) legislação como confirmação de valores sociais;
b) legislação-álibi para demonstrar a capacidade de ação do Estado e;
c) legislação como fórmula de compromisso dilatório.
2. LEGISLAÇÃO COMO CONFIRMAÇÃO DE VALORES SOCIAIS
O parlamentar posiciona-se em relação a certos conflitos sociais polêmicos (questões religiosas, aborto, direitos dos homossexuais, etc.) e procura direcionar suas atividades legislativas conforme os valores defendidos.
Nestes casos trata-se de uma lei simbólica destinada “basicamente como meio de diferenciar grupos e os respectivos valores e interesses” (NEVES, 1994, p.36) a prioridade nesse caso é a confirmação de valores sociais, sendo irrelevante a eficácia normativa da lei.
3. LEGISLAÇÃO-ÁLIBI PARA DEMONSTRAR A CAPACIDADE DE AÇÃO DO ESTADO
A legislação-álibi tem como objetivo de fortalecer a confiança do povo no sistema jurídico-político, no Governo e no Estado. O legislador produzirá leis com o intuito de satisfazer expectativas imediatas dos cidadãos, sem priorizar a efetivação ou a concretização das medidas tomadas.
Para Kindermann a legislação-álibi tem a função de aparentar uma solução dos respectivos problemas sociais ou, de convencer o público das boas intenções do governo, ou seja, ela é utilizada com a finalidade de demonstrar ao eleitorado que determinada demanda foi objeto de leis, sendo secundário demonstrar se tais leis atingiram os efeitos desejados pelo eleitorado.
4. LEGISLAÇÃO COMO FÓRMULA DE COMPROMISSO DILATÓRIO
A legislação simbólica serve para adiar a resolução de conflitos sociais transferindo sua solução para um momento político mais adequado, ainda que indeterminado, ou seja, legislando sem promover os meios para concretizar a norma.
É produzida uma norma com dispositivos dificilmente aplicados, fruto de um acordo político para postergar a solução, levando ao povo a ilusão de que a matéria está sendo devidamente regulamentada. Por exemplo: norma que trata da punição e da retirada de ambulantes de determinado local sem definir a data do início ou do término da operação, postergando indefinidamente sua aplicação. Ou seja, a norma prevê a punição dos ilegais e acalma os ânimos dos comerciantes legalizados mas não prevê a sua execução, garantindo assim a sua ineficácia e o adiamento da solução do conflito.
5. CARACTERÍSTICAS DAS PROPOSIÇÕES SIMBÓLICAS
a) Quanto à relevância: possui mais relevância política que jurídica;
b) Quanto à eficácia: segundo Neves (1994) é ineficaz ou sem eficácia prática por falta de vigência social;
c) Quanto ao impacto social e territorial: em geral, principalmente quando honorífica, atinge indivíduos ou grupos específicos (sociais ou profissionais) de determinadas regiões ou localidades.
d) Quanto ao seu efeito: geralmente é neutro, ou seja, não traz ônus ou bônus social;
e) Quanto ao tema: freqüentemente honorífico;
f) Quanto ao objetivo e conteúdo: seu objetivo é político e seu conteúdo voltado para confirmar valores sociais, demonstrar a capacidade de ação do Estado ou adiar a solução de conflitos.
Perfeição- Legião Urbana
6. EFEITOS DAS NORMAS SIMBÓLICAS
Sobre os cidadãos: a aparente normatização leva ao povo uma sensação de tranqüilidade em decorrência da pronta ação do Estado na solução de crises. Porém, sua ineficácia pode levar à descrença do parlamento.
b) Sobre o sistema político: a norma alivia o parlamento das pressões sociais;
c) Sobre o ordenamento jurídico: pouco representam normativamente, no entanto provocam o seu inflacionamento;
d) Sobre os trabalhos da Casa: causam o saturamento dos órgãos legislativos com proposições que pouco representam socialmente.
7. AS LEIS SIMBÓLICAS E A INFLAÇÃO LEGISLATIVA
Segundo Afonso da Silva, o objetivo precípuo da lei é buscar a justiça social, devendo sair do universo normativo e interferir na realidade social.
As leis simbólicas não atingem tal objetivo, porém contribuem para o aumento deste caos jurídico.
A cada legislatura os parlamentares apresentam propostas em muitos casos absurdas, instituindo novas datas comemorativas, denominações de bens públicos, heróis nacionais e padroeiros, entre outras “inovações”.
Assim nascem as leis que pouco influenciam na resolução de problemas sociais, e que por fim, “não pegam”.
8. AS LEIS SIMBÓLICAS E A INFLAÇÃO LEGISLATIVA
“São leis que têm por prioridade precípua demonstrar a atuação do parlamentar e aumentar o quantitativo da sua produção legislativa, sendo irrelevante a sua eficácia social, a sua atuação jurídica. Apenas existem no papel, inexistem de fato.”
“O resultado jurídico de uma lei simbólica talvez não justifique os gastos envolvidos com o seu trâmite, ao contrário, justifique uma urgente reforma no processo legislativo de forma a torná-lo mais célere e eficiente.”
10. PODEMOS CARACTERIZAR A FORÇA SIMBÓLICA DOS DIREITOS HUMANOS COMO AMBIVALENTES:
De um lado, serve à afirmação e realização generalizada de direitos relacionados com a inclusão jurídica em condições de dissenso estrutural;
De outro, atua como forma de manipulação política, seja para encobrir situações de carência de direitos, seja para dar ensejo à opressão política, implicando verdadeiras ofensas aos próprios direitos humanos.
11. “A legislação simbólica, muitas vezes, pelos seus conteúdos, são dignificadas tanto em caso de violação generalizada quanto na hipótese de cumprimento sistemático, para relevar exatamente que a força político-simbólica daquela legislação estava relacionada com a falta de eficácia jurídica.” (comparar)
12. CARÁTER NORMATIVO DO SIMBÓLICO PARA A NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL
Hipertrofia da dimensão político-simbólica do texto constitucional em detrimento de sua eficácia jurídica.
A constitucionalização simbólica consistiria em uma “superexploração” do direito pela política, de tal maneira que a própria autonomia operacional do sistema jurídico estaria com isso, prejudicada.
13. AMBIVALÊNCIA
A força simbólica de atos, textos, declarações e discursos de caráter normativo serve tanto à manutenção da falta de direitos quanto à mobilização pela construção e realização dos mesmos.
14. “A afirmação simbólica de direitos e institutos jurídicos, sem qualquer compromisso com o real acesso aos mesmos ou à sua efetivação, pode levar à apatia pública e ao cinismo das elites, como também pode conduzir à mobilização social que contribua para a sua concretização normativa e efetivação.”
15. FORÇA SIMBÓLICA DOS DIREITOS HUMANOS: AMBIVALÊNCIA
Por um lado, a força simbólica dos direitos humanos serve à força normativo-jurídica e à realização destes.
Por outro, contribui para impedir-lhes ou dificultar-lhes a concretização jurídica e a efetivação.
16. CONSTITUCIONALISMO DE FACHADA
Trata-se a constitucionalização simbólica dos direitos humanos em geral, da criação de um mundo falso mais eficiente que o mundo verdadeiro.
Cria-se a ilusão dos direitos humanos constitucionalmente consagrados e obstrui-se, ao mesmo tempo, uma discussão conseqüente dos fatores que impedem a sua concretização normativa.
Exemplos escandalosos de flagrantes violações dos direitos humanos pelos EUA no Iraque.
17. IMPERIALISMO DOS DIREITOS HUMANOS
Não tem apenas um apelo estratégico ou ideológico de asseguramento de hegemonia política, mas também recorre à moral e à razão.
O perigo do recurso à moral e à razão, sem procedimentalização jurídica, consiste no fato de que a falta de contornos jurídicos pode levar a abusos incontroláveis e, pois, à impunidade dos mais fortes.
18. O imperialismo racional revelou ser uma fachada para o imperialismo cínico.
Em outras palavras, toda tentativa de impor unilateralmente a razão moral dos direitos humanos pode ter resultados destrutivos para a razão jurídica desses direitos.
19. “Ausente a institucionalização jurídica dos direitos humanos por procedimentos seletos e adequados, eles podem transformar-se em figura retórica político-militar, cuja força simbólica dificulta-lhes ou obstaculiza-se a força normativa.”
20. SIMBOLISMO NO DIREITO
“O problema da eficácia das leis e do direito não é da constitucionalização simbólica, mas sim da legislação infraconstitucional simbólica?”
AUTORES: EQUIPE DO PROFESSOR HÉLIO CIMINI
JÔ SOARES ONZE E MEIA - "NOVA" CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O FIM DA CENSURA (SBT, 1988)
Aconteceu comigo (porque isso só acontece comigo!?):
Ano passado transitando pela rua no centro de Fabriciano, quase meio-dia, uma velha senhora sentada no chão com um vestido puído me disse “Já comeu hoje, senhor? Eu não!” E me estendeu a mão. Aquilo partiu meu coração de futuro advogado e me senti culpado pelo misto-quente delicioso que tinha devorado no desjejum. “Não seja por isso” eu disse e lhe dei os últimos 5 reais que tinha na carteira mesmo lembrando que não teria como pagar o ônibus e precisaria voltar a pé para casa debaixo dum sol infernal. Confesso que o animal aqui se arrependeu. Devia ter trocado o dinheiro, tirado a passagem e lhe dado o resto, mas pelo menos eu me perdoei pelo misto e ela não ficou sem fazer nenhuma refeição naquele dia. Vi quando se encaminhou lentamente para um restaurante-bar onde provavelmente sofreu preconceito antes e depois de mostrar a garça. Certamente antes de mim e depois de mim ela passou muita fome. Isto não tem graça nenhuma. Ela é uma brasileira com o mesmo direito a dignidade consagrado na Constituição que nós, só que muito mais infeliz do que seus pares. Até quando, Brasil?
“Grande Pátria desimportante, em nenhum instante eu vou te trair.” Cazuza
Deixe seu comentário: E você, leitor (a), acha que as Leis Simbólicas são necessárias ou repulsivas?
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