José Saramago em Lanzarote, a ilha que o escritor escolheu para ser seu amado “esconderijo do observador”.
O homem que tentou abrir nossos olhos fechou os seus.
O Esconderijo lamenta profundamente o óbito do escritor português José Saramago. Há tanta gente inútil no mundo, viva, que eu sinceramente não posso compreender porque alguma delas não poderia morrer no lugar de Saramago e doar-lhe os anos de vida a que tinha direito para que o sublime escritor continuasse entre nós, vivo, útil, escrevendo. Por que não eu? E por que não você, leitor? Ou qualquer um de meus vizinhos, meu Deus!
Até hoje assinei o pecado de ter lido apenas três livros de José Saramago, a saber, O Ano da Morte de Ricardo Reis (o meu dileto por motivos insuspeitos), Ensaio Sobre a Cegueira e Objeto Quase. Pretendo nas férias acadêmicas de inverno ler o superpolêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Além de ser um leitor leal de seu blog Outros Cadernos de Saramago http://caderno.josesaramago.org/ claro. Blog este que constitui uma flagrante e deliciosa contradição num homem tão coerente. Explico, a não muito tempo eu me lembro de ter lido uma declaração sua que dizia mais ou menos assim: “Com ou sem internet meu trabalho continuaria o mesmo.” Ou seja, o que se tornou indispensável para o mundo para ele não passava de um suplemento.
Se formos deuses por tão humanos sermos e nada nos foi dado e tudo queremos, então Saramago estava certo ao assim sentenciá-lo. Sustenta um ditado bíblico que a inteligência apega-se a inteligência. Talvez por isso nosso genial cineasta Fernando Meirelles tenha filmado ao pé de Saramago “Ensaio Sobre a Cegueira”, um filme chocante que reflete sua fonte. A própria Igreja Católica afirmou em nota que Saramago foi “fascinante”.
"Só sou alguém que, ao escrever, se limita a levantar uma pedra e a olhar para o que está por baixo. Não é culpa minha se de vez em quando descubro monstros", afirmou em 1997, por ocasião de um de seus múltiplos doutorados "honoris causa".
Singularmente original, transgressivo, terno e incendiário Saramago recebe o Prêmio Nobel de Literatura, em 10 de dezembro de 1998, em Estocolmo, na Suécia
Meu querido amigo José de Souza Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922 em Azinhaga, Golegã, Portugal e faleceu na lutuosa sexta-feira, 18 de junho de 2010, aos 87 anos em Lanzarote, Ilhas Canárias, Espanha, em “conseqüência de uma múltipla falha orgânica, após prolongada doença.” Além de romancista, contista e poeta, Saramago foi diretor do jornal português Diário de Notícias, vencedor do Prêmio Camões de 1995 e do Nobel de Literatura de
Saramago foi considerado “o grande responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.”. Segundo a academia sueca sua obra é uma referência imprescindível na qual "mediante parábolas sustentadas com imaginação, compaixão e ironia, nos permite continuamente captar uma realidade fugitiva.” Em 1992 Saramago fundou com amigos intelectuais a Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Ateu, comunista e iberista (Partidário do movimento político e cultural que defende a abordagem e melhoramento das relações a todos os níveis entre Portugal e Espanha e, finalmente, a unidade política dos mesmos.). Nunca perdoou Portugal pelo Salazarismo e mudou-se para Espanha onde viveu até o fim na companhia de sua mulher, a jornalista Pilar del Rio, sua fã, 30 anos mais jovem que o seduziu aos 63 anos e com quem viveu um surpreendente e maduro amor.
Nunca me esquecerei duma entrevista sua concedida a um jornalista global em que narra como concebeu a idéia para escrever o clássico Ensaio Sobre a Cegueira “Eu estava num café e de repente me perguntei: E se nós todos fôssemos cegos? Logo me respondi: Nós todos somos cegos.” O livro supramencionado é uma metáfora para a cegueira social de nosso tempo. A linguagem é a cura, o ponto de conexão entre nós e a literatura, bem sabia Saramago, “... é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição.” Drummond.
Assim como o avô de Saramago meu avô criava porcos e foi o homem mais sábio que conheci. Assim como Saramago tive uma infância humilde, sou autodidata e amo a Literatura. Assim como Saramago sou um “Levantado do chão” e tive duas vidas. A minha segunda vida recém-começou e agora todas as vidas do maior escritor contemporâneo da língua portuguesa acabaram, contudo sua obra é uma cláusula pétrea na memória do mundo. Nunca me esquecerei de sua resposta ao repórter quando este lhe inquiriu da morte: “Minha avó dizia assim sobre ela: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.” Sua pena, Sara-mago, nossa pena porque somos irmãos de lusófona língua.
“Tentei não fazer nada na vida que envergonhasse a criança que fui.” José Saramago
THIAGO CASTILHO
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