A FLOR E A NÁUSEA

UMA INTERROGAÇÃO

Querido Deus, por que quando encontramos a mulher aparentemente ideal, isto é, bela, inteligente, engraçada, inflamável e misteriosa ela está geograficamente inacessível? Eu pensava que o senhor me amasse...

LES AMANTS DU FLORE

A flor da filosofia e sexo até a náusea. Eis o que o vertiginoso filme Os Amantes do Café Flore, uma sugestão generosa do blog “Café, Cigarros e Desordem”, nos oferece. Década de 30, Paris é o palco. “Não se nasce mulher: torna-se!” frase famosa de Simone de Beauvoir, filha do advogado Georges Bertrand de Beauvoir, ou como o revolucionário filósofo Jean Paul-Sartre, Sartre para a posteridade, Paul para Simone, a chamava “Meu Castor”, é uma mulher em conflito com sua condição, ou melhor, com a condição de seu tempo masculino. O filme conta sua saga em busca da inigualável liberdade de ser e agir segundo sua consciência e responsabilidade. Castor se recusa a encarnar o papel de animalzinho domesticado nas mãos dominadoras dos homens. A “menina enfezada”, símbolo do livre arbítrio feminino questiona tudo. Ela pensa e escreve, odeia e despreza, sente tédio e nojo e ama e sofre com tamanha intensidade que está fadada a tragédia da solidão romântica recheada de muito sexo plural. Simone gosta de meninos e meninas. “Carne e fogo” eis seu lema, um embrião dos tempos modernos filho do existencialismo, ideologia-filosófica-política vigente na época

“Não há esperança sem ação.” Sartre.

“Amo você e sempre amarei... Mas sou escritor. Não quero viver como os velhos idiotas na academia. Preciso de ar, novidade, emoção. Só preciso de você, mas preciso conhecer amores eventuais.” Sartre

Castor cultua uma admiração intelectual e, opinião minha, uma paixão patológica por Sartre. Arrisco um pobre palpite. É edipiano. Sartre é narcisista, apaixonado pela própria inteligência, descendo ao mundo somente para gozar em suas entranhas. Castor o identifica inconscientemente com a tirânica figura paternal da qual sempre quis se despojar embora paradoxalmente a admirasse. A diferença fundamental entre Sartre e seu pai é que Sartre é um gênio que vive e deixa viver a vontade e seu pai um reacionário, embora tenha lhe legado o amor pela literatura e o teatro. Seu afeto por Sartre é sanguíneo, direto e incurável como se ela tivesse nascido dele e portando lhe devesse eternamente a vida, sendo ou não amada. Mas era amada, a maneira de Sartre. Ele propõe um pacto de sinceridade sexual e afetiva entre os dois e lhe diz “Eu não tenho vocação para monogamia.” Ela aceita, mas depois se arrepende. (Mulheres!) Tarde demais. Sartre não perdoa nem se arrepende como o direito e quebra corações por onde passa.

O pequeno grande Sartre! Dependendo do indivíduo ele se torna imortal porque recebeu o mais alto prêmio da República das Letras, o Nobel de Literatura. Sartre o recusou em 1964, não precisava dele para nada ou o nada, nem muito menos da aprovação alheia. Era o ser. E isso é tudo. Ou haverá algo além? Sartre é tão brilhante que conclui no fim apesar de todo seu egoísmo “Em nosso pacto esquecemos um detalhe de peso. Os outros têm sentimentos.”

Bonitinha, mas ordinária!

Sartre é sádico. Castor masoquista. Um casal perfeito? Não. No fim Castor se apaixona por um escritor americano, o passional Nelson Algren, escreve “O Segundo Sexo”, uma enciclopédia feminina e explode no meio intelectual como uma supernova graças ao seu inegável grande talento, sua personalidade de aço, sua subjetividade reivindicada, sua pulsão de vingança e vontade de mudar o mundo, torná-lo livre de valores frígidos e culpa cristã além de justo para todos. Linda, linda!... O filme é maravilhoso embora eu não possa dizer o mesmo da legenda. Fiquei com vontade de saborear Castor. Dar-lhe o que Sartre não conseguiu: prazer intenso. Ah, arregaçar e ser arregaçado por Castor na França... Ah, se minha máquina do tempo não estivesse quebrada...

"O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação." Simone de Beauvoir

DO HÉLIO CIMINI II

No final da última aula da noite de quinta eu me dirigi ao professor Hélio e disse “Essa história me lembra uma tirada do ex-presidente FHC. “Meus inimigos dizem que eu sou vaidoso. Eu sou mais inteligente do que vaidoso e retirai de mim esse cálice.”. O nobre professor amante da literatura, filosofia e história como nós, nos contou como fulminou recentemente um crítico injusto, com todo o respeito, claro, e fez uma sutil analogia metafórica entre nossa sagrada Constituição, para ele a primeira ordem de Ulisses atravessando o Mar Egeu e a literatura jurídica infraconstitucional que corresponde as ordens de Ulisses envenenadas pelo canto melodioso e letal das sereias malignas. Entendeu?

“Venha para perto, Ulisses.” Legenda do canto das sereias

Depois, lamentou a crise no aprendizado, por assim dizer. Segundo Cimini e seu círculo competitivo, os alunos de direito em geral não levam mais o curso tão a sério como antes, o que explicaria o desmoralizante 13% em média de aprovação no exame de fogo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e entregou que a arte de julgar é um vicio coletivo e assim como formamos opiniões a respeito dos professores, dividindo-os em “tropa de elite”, “arroz com feijão” e “ridículos ratos”, os docentes trocam figurinhas a respeito dos discentes. Atenção, querida leitora, você pode ser célebre entre os professores do Pitágoras. Agora eu te pergunto por perguntar, em que categoria você acha que faz sucesso?

“O Estado de Direito significa governo de leis. Democracia significa governo do povo. Nenhum dos dois significa governo dos juízes.” Luiz Roberto Barroso

Por fim, Hélio deixou comigo a revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais que na atual edição trás o título “A delicadeza da linguagem poética” com uma imagem da poeta Henriqueta Lisboa estampada na capa além de uma formidável entrevista com o professor Luiz Roberto Barroso (o cara é brutal mesmo e durante a leitura da entrevista um lema me invadiu: “Direito é respeito.” As leis, aos outros, a si mesmo.) acerca do “universo político e jurídico do Estado Brasileiro” e nos ofereceu generosamente a estrutura de seu escritório para quem se interessasse em pesquisar informações ou trocar idéias concernentes ao direito. Em outra ocasião ele já tinha mencionado sua deferência correspondida pela nossa turma. Obrigado, professor, em breve estarei tomando um cafezinho em seu escritório.

"O que se perdeu foi pouco.

Mas era o que eu mais amava." Henriqueta Lisboa

Exclusiva do Esconderijo: nessa mesma noite, Cimini deixou escapar que noiva antes da morte de 2010 e se casa ano que vem para a melancolia de algumas sereias do Pitágoras. “Enlouqueci de vez, caso-me ano que vem.” Anunciou, sorrindo. Felicidades antecipadas pelo casamento, professor. Como disse minha mãe para meu irmão depois de sua união definitiva “De agora em diante, crianças, amor e paciência porque casamento é só Deus.”

“Pago caro o orgulho

De querer perfeita

Minha vida efêmera.” Henriqueta Lisboa

Links relacionados:

http://cafecigarrosedesordem.blogspot.com/2010/11/os-amantes-do-cafe-flore.html

http://esconderijo-do-observador.blogspot.com/2010/07/do-helio-cimini.html

Um beijo do observador. Cuide-se, meu amor.

Por: Thiago Castilho