Dedico esse sublime poema de Drummond a minha visionária prof.ª de Literatura, Ziza, que numa visita ao EDO observou com justiça que "faltou poesia". Espero ter me retratado com maestria. Embora maio tenha acabado. Maio é maio. Drummond é Drummond. Thiago é Thiago. E nunca é tarde para a poesia.
TARDE DE MAIO
Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar
inferior de seus mortos, assim te levo comigo,
tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não-perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh'alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.
Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita sem máscaras?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Nobre aluno,rs,
ResponderExcluirn poderia ter escolha mais exata para demonstrar a cadência do tempo q faz com q o amor renasça nas estações da vida, simultâneo com o fenecimento do homem cujo sentimento só a ele pertence.
Maio nem sempre é só maio...rs
Porém, Thiago Castilho, pelo q começo a conhecer, é ímpar!
Obrigada pelo poema. Adorei!
Bjs,
Ziza Saygli