O medo
do fim e o sentido da vida
“Será que o medo do fim do mundo
reflete um temor de termos desperdiçado a vida apenas em trivialidades?”
Para um cientista que gosta do
seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte
constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos
laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão
estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o
pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um
artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard
Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido
à vida.
No mesmo dia em que li o artigo
de Haque, ouvi uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em
arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa
"previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia
acaba e, com ele, o mundo.
Aveni demonstrou a falácia dessa
história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser
interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras
culturas.
Em termos de causas cósmicas, não
há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o
fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as
marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o
planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de
centímetro!
Mais interessante é a origem do
medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já
examinei no livro "O Fim da Terra e do Céu" (Cia das Letras, 2001).
Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um
temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não
teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização?
Haque foca seu artigo na busca
por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com
trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos,
sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do
tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.
Somos criaturas limitadas pelo
tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta
de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal
chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais
presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos
esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado
distante?)
Não há nada de elitista nesse
legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto
à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida
de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa
discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para
você e vice-versa.
O que importa é o que se faz com
a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos
saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que
se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta
demais.
Por: Marcelo Gleiser, professor de
física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de “Criação
Imperfeita”
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