Viva a simbiose de
culturas
Cada cultura tem suas virtudes,
seus vícios, seus conhecimentos, seus modos de vida, seus erros, suas ilusões.
Na nossa atual era planetária, o mais importante é cada nação aspirar a
integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a buscar a simbiose do melhor de
todas as culturas.

A França deve ser considerada em
sua história não somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade-Fraternidade
promulgados por sua Revolução, mas também segundo o comportamento de uma
potência que, como seus vizinhos europeus, praticou durante séculos a
escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu povos e negou suas aspirações
à emancipação. Há uma barbárie europeia cuja cultura produziu o colonialismo e
os totalitarismos fascistas, nazistas, comunistas. Devemos considerar uma
cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas também segundo sua maneira
de camuflar sua barbárie sob esses ideais.
Podemos nos orgulhar da corrente
autocrítica minoritária de nossa cultura, desde Montaigne até Lévi-Strauss,
passando por Montesquieu, que não somente denunciou a barbárie da conquista das
Américas, como também a barbárie de um pensamento que “chama de bárbaros os
povos de outras civilizações” (Montaigne).
Da mesma forma, o cristianismo
não pode ser considerado somente segundo os preceitos do amor evangélico, mas
também segundo uma intolerância histórica em relação às outras religiões, seu
milenar antijudaísmo, sua erradicação dos muçulmanos dos territórios cristãos,
ao passo que, historicamente, cristãos e judeus foram tolerados em terras
islâmicas, mais especificamente no Império Otomano.
Falando mais amplamente, a
civilização moderna nascida do Ocidente europeu difundiu pelo mundo inúmeros
progressos materiais, mas também inúmeras deficiências morais, a começar pela
arrogância e pelo complexo de superioridade, os quais sempre suscitaram o pior
do desprezo e da humilhação do outro.
Sabedoria e modo de vida
Não se trata de um relativismo
cultural, mas de um universalismo humanista. Trata-se de ultrapassar um
ocidentalocentrismo e de reconhecer as riquezas da variedade das culturas
humanas. Trata-se de reconhecer não somente as virtudes de nossa cultura e suas
potencialidades emancipadoras, mas também suas deficiências e seus vícios,
sobretudo o surto da vontade de poder e de dominação sobre o mundo, o mito da
conquista da natureza, a crença no progresso como destino da História.
Devemos reconhecer os vícios
autoritários das culturas tradicionais, mas também a existência de
solidariedades que nossa modernidade fez desaparecer, uma relação melhor com a
natureza, e nas pequenas culturas indígenas sabedorias e modos de vida.
O falso universalismo consiste em
acreditarmos que somos donos do universal – aquilo que permitiu camuflar nossa
falta de respeito pelos humanos de outras culturas e os vícios de nossa
dominação. O verdadeiro universalismo tenta nos situar em um metaponto de vista
humano que nos engloba e nos ultrapassa, para quem o tesouro da unidade humana
está na diversidade de culturas. E o tesouro da diversidade cultural, na
unidade humana.
Por: Edgar
Morin, filósofo e sociólogo francês
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